Pois este é o caminho mais viável para tornar os princípios Verdes fundamentais – sustentabilidade, solidariedade, solidez – uma realidade para os cidadãos europeus.

Vemos hoje a Europa e a UE serem atacadas, desacreditadas e carregadas de carga emocional negativa. Porquê?

Reinhard Bütikofer: Existe um campo antieuropeu, nacionalista, de direita populista em crescimento, que põe no centro da sua ideologia a luta contra a integração europeia. Do outro lado, existe o campo que quer defender o sonho europeu e construir a partir dos progressos feitos pelo projeto de integração europeia nos últimos 70 anos. Faço parte deste segundo campo, não porque me recuso a ver os erros e as falhas que temos de assumir, mas porque só poderemos melhorar a UE se não a deixarmos desintegrar-se. Existe um terceiro campo que diz: sim, somos pela Europa, mas a UE está podre, completamente enganada, tudo está a tomar o rumo errado, e isto não serve para nós. Este terceiro campo é o menos credível.

Se fores um nacionalista devoto, combater-te-ei. Se fores pró-europeu, tentarei convencer-te de que é porque gostamos do projeto europeu que temos de transformá-lo e mudá-lo. Mas destruir tudo o que temos hoje no intuito de construir depois uma Europa mais brilhante – isso é que não vai acontecer. Destruir a UE, dizer que temos de recomeçar do início com princípios completamente diferentes, significa preparar a vitória das forças reacionárias nacionalistas. Só poderemos edificar os nossos verdadeiros sonhos transformando e reformando e, em alguns aspetos, mudando em profundidade o que temos à nossa frente. Observar passivamente é mais do que um crime político, é um erro.

Quais são então hoje em dia as forças de desintegração?

Não existe uma causa única. O que estamos a viver agora é o efeito de múltiplos acontecimentos sobrepostos. Durante muito tempo, a ideia de unificar a Europa era uma estrela que nos guiava nos momentos mais difíceis. Essa estrela guia já não orienta os acontecimentos europeus, pois a unidade europeia foi basicamente conseguida, em 2004, quando dez países entraram na UE, superando as divisões de Yalta. Estou convencido de que foi um erro estratégico das forças pró-europeias, na altura, não começar a debater o caminho a seguir a partir de então. Não sentimos a necessidade de definir uma nova visão que nos levasse mais adiante.

Esta nova visão é extremamente importante pois, no nosso solo, dois fenómenos estão a acontecer diante dos nossos olhos. O primeiro é interno. A coesão das nossas sociedades está a ser minada. Toda a gente o vê. O fosso entre os muito pobres e os muito ricos é cada vez maior. A desintegração é também patente na falta de oportunidades dada aos adultos de amanhã. Os pais não conseguem garantir aos filhos o futuro que nós tínhamos. A desintegração criou menos coesão, e também entre os diferentes países, o que resulta numa menor capacidade de comprometimento.

O segundo fenómeno prende-se com o ambiente internacional em plena mutação. É evidente que as relações de poder e as relações económicas a nível global estão a mudar profundamente. Existe uma tendência continental. E a Europa não é de modo algum tão poderosa e tão central como o era há 30 anos. E isso traz novos desafios para a UE.

Por causa destas mudanças à nossa volta e dentro das nossas comunidades, a capacidade para continuar a construir o projeto europeu ressentiu-se. Menos capacidade para enfrentar o que vem de fora, menos capacidade para enfrentar os desafios internos. Não conseguimos ver que o mundo, neste momento, não fica parado à nossa volta. E ainda não nos apercebemos suficientemente bem, ou suficientemente cedo, de que a desintegração interna das nossas sociedades irá contaminar-se a nível europeu se não fizermos nada.

E o que acha de alguns pilares fundamentais da UE, como o Mercado Comum e a União Monetária?

É óbvio que o mercado comum e a união monetária não foram construções ideais. Visto de hoje, podemos afirmar que foram construções que serviram no seu tempo. Helmut Kohl disse, por exemplo, que a União Monetária tinha de ser acompanhada de uma união política. Na altura, pensou-se que isso poderia dar demasiado poder à Alemanha. Mas hoje sofremos por não existir tanta união política quanto seria necessária.

Podemos argumentar que a Eurozone apresenta três tipos de fraquezas. A primeira fraqueza é na solidez da governança económica comum. A segunda prende-se com a fraqueza na solidariedade europeia explícita. Claro que temos «solidariedade» organizada através do Banco Central Europeu (BCE), mas não existe uma compreensão comum de que a solidariedade deveria ser um pilar fundamental. A terceira fraqueza tem que ver com o facto de estarmos a prosseguir com antigas políticas de crescimento, quando deveríamos estar a construir uma União que se transforma em direção a um desenvolvimento económico sustentável. Temos de reunir solidez, solidariedade e sustentabilidade. A resistência económica só será possível através de um Green New Deal. Precisamos de uma nova abordagem do futuro das nossas economias que integre o progresso económico assente na inclusão social e Verde.

Este Green New Deal pode ser uma força de integração?

Completamente, porque lida com algumas das principais deficiências do nosso sistema económico. Quando as pessoas começam a discutir a governança económica europeia e o que ela deveria ser, muitas vezes não sabem que o desafio principal é o de construir uma união transformadora. Alguns dizem que precisamos de uma união de transferência, outros de uma união de estabilidade. Mas a união transformadora de que precisamos não está no centro do debate. É por isso que nós, os Verdes, temos de continuar a lutar.

A União Europeia tem de ser guiada pela ambição de criar um novo caminho – não apenas para nós, mas para a comunidade global – que define a maneira como o progresso económico e a sustentabilidade a nível planetário se podem reconciliar. E a Europa tem tudo para desempenhar um papel fundamental nessa tarefa.

Mas será possível na União Europeia de hoje, com a paisagem política atual, acontecer essa transformação? Não existirão forças contrárias?

Os atalhos históricos não acontecem com muita frequência, e receio que a situação atual não permita uma exceção a essa regra. Temos por isso de construir as forças de transformação, não podemos apenas imaginá-las. Temos de as criar e de as juntar, e é isso que fazemos enquanto Verdes. Reunimos esses movimentos, sejam eles a nível local, regional, nacional ou europeu.

Por outro lado, não é justo descrever a UE como uma instituição que falhou completamente. Sim, não temos a transformação de que necessitamos. Isso sim. Mas não quer dizer que não exista ação. Se, em 2010, a União não tivesse conseguido ultrapassar e pôr de lado a ortodoxia da cláusula que proibia a intervenção mútua, a UE já teria acabado há anos. Velhas ortodoxias foram ultrapassadas com soluções pragmáticas, temporárias, improvisadas, mas insuficientes. Não existe afinal nenhum manual de soluções para a maior experiência democrática da história da humanidade de criação de uma aliança transnacional de países soberanos, que lhes permita resolver juntos e em paz os seus problemas mais complexos.

Comparemos a crise económica atual com a dos anos 30. Há uma grande diferença histórica. Na época, os problemas económicos derraparam, dando lugar a mobilizações nacionalistas e chauvinistas de uns contra os outros e, por fim, à guerra. Hoje conseguimos manter os problemas num nível razoável. Não digo que a UE é sempre boa a encontrar as soluções certas em tempo oportuno, mas não ficamos de braços cruzados.

Mesmo assim, quando vemos o crescimento do populismo e da extrema-direita em muitos países europeus, fica claro que as ameaças do nacionalismo e do recolhimento sobre si próprio permanece.

As tentações nacionalistas e populistas não irão desaparecer tão cedo. Em relação às necessidades económicas, os Verdes estão bem equipados. A direção define-se pelos três «S»: solidariedade, sustentabilidade, solidez. Não era errado exigir reformas durante a crise. O errado foi desenhar as políticas a partir do modelo da austeridade.

Que outros fatores de desintegração consegue identificar?

Deixe-me sublinhar um possível fator de integração. Os inquéritos da Eurostat mostram que os cidadãos da UE desejam que a União melhore a segurança – doméstica e externa. É evidente que, com os ataques terroristas recentes, será muito difícil aumentar o nível de segurança sem uma coordenação e uma cooperação mais fortes. Continuaremos a lutar contra exigências injustificáveis como a de um registo de nomes de passageiros. Mas isso não nos tira a obrigação de fazer pressão para mais cooperação policial em toda a Europa.

A mesma coisa aplica-se para a segurança externa, e existe uma ligação entre a segurança interna e a segurança externa. A europeização da segurança doméstica e externa é um dos principais desafios dos próximos tempos. Não falo de um exército europeu. Sou contra isso. Falo de cooperação prática.

Existem diversas iniciativas na Europa que colocam a democracia no centro do seu projeto. A democracia sempre foi um aspeto essencial do pensamento Verde. Pode a democracia estar no centro de um projeto político para a Europa?

De um ponto de vista Verde, as duas principais forças motivacionais do nosso movimento – as duas almas – lutam para o bem comum, segundo uma perspetiva ambientalista e defendendo o direito individual à autodeterminação, à dignidade e a um papel válido enquanto agente social. Uma certa tradição de liberalismo e de individualismo e uma certa tradição socialista e conservadora da luta para o bem comum formam conjuntamente as raízes da identidade Verde. Isto não se alcança sem democracia. A democracia é o tempo e o espaço, se assim posso dizer, onde tentamos concretizar estes objetivos.

Atualmente, a UE precisa urgentemente de ser novamente legitimada através de mais democracia. Existem hoje três principais problemas na democracia europeia. O primeiro são os lobistas: o reconhecimento geral de que não há acesso igual ao processo de decisão, e de que as grandes corporações são mais «iguais» do que os outros. Segundo, no Estado-nação, as políticas europeias muitas vezes não são suficientemente controladas ou supervisionadas pelos parlamentos locais e pela população. Muitos dos Estados enviam os seus governos para o Conselho da UE sem consultar os seus parlamentos antes e depois. Terceiro, a necessidade de mais controlo democrático sobre a governança económica da UE, nomeadamente na Eurozone. Estes são as nossas três principais frentes na luta pela democracia europeia.

E quanto a alianças e cooperações pela democracia e outros assuntos?

Os Verdes sempre foram abertos, e continuarão a sê-lo, a colaborações, alianças com quem quer que seja que queira juntar forças. Mas, segundo os princípios Verdes, as alianças têm de ser morais. Os Verdes não querem ser os proprietários exclusivos das ideias progressistas – queremos partilhá-las tanto quanto possível, aprendendo com os outros, porque queremos torna-las realidade.

Também é importante procurar movimentos em vários pontos da sociedade. Há movimentos no setor económico, onde pequenas e médias empresas se abrem a uma transformação verde da economia. Vejam Alexander Van der Bellen – o novo Presidente da Áustria – e a sua abertura a todos os setores, inclusive o setor privado e os empreendedores. É da maior relevância para toda a Europa que esta pessoa tenha conseguido tornar-se o foco de uma aliança muito mais vasta contra os populistas. Vejam também o caso de Baden-Württemberg, onde Winfried Kretschmann conseguiu pôr em vigor, e com crescente apoio eleitoral, uma política de transformação social e económica, que representa uma fonte de motivação para pessoas que vivem muito para lá desta região.

Porque é que temos de defender a Europa?

Não estou apenas a defender uma Europa abstrata, defendo a UE. Aquilo que alguns dos críticos mais ferozes da UE mais odeiam nela não são as suas falhas, mas a sua resiliência. A energia que torna essa resiliência possível é a energia dos nossos cidadãos europeus. Os cidadãos europeus não estão a desistir, de modo algum. E nós também não devemos desistir. Desistir da UE implicaria matar, para as duas gerações seguintes, a esperança de implementar o sonho europeu. Por isso, essa esperança dos cidadãos europeus obriga-nos a continuar a trabalhar. O sonho europeu é mais inclusivo do que o sonho americano. É um sonho construído com base no respeito pela diversidade. É mais um sonho de liberdade do que o novo sonho chinês. Também é construído no respeito entre as nações, pequenas e grandes. Este sonho europeu, e o facto de os nossos cidadãos esperarem de nós que o cumpramos – eis a principal razão pela qual não podemos desistir. É uma obrigação!